O “Borboletta” é um álbum de transição. Transição que parte da deriva de fusão de “Caravanserai”, e embora na mesma linha de “Welcome”, caminha mais na direção do pop rock que viria a “contaminar” grande parte da discografia da banda do final dos anos 70 e anos 80.
Se, por um lado, ainda temos as introduções
instrumentais que parecem saídas das selvas sul-americanas e os temas longos em
que a banda cria um delírio de fusão tropical e jazzístico, por outro criam
temas pop-soul-funk que apontam para um mainstream mais cálido. “Borboletta”
seria seguido por “Amigos” e “Festival”, em que a banda seguiu para águas menos
agitadas, e em que a composição sai mais da pena do trio Carlos Santana – Tom Coster
– Leon Patillo.
É preciso não confundir
Santana com Carlos Santana – Santana é a banda, que sempre reuniu vários talentos
e vários talentosos compositores; Carlos Santana é o músico que deu nome à
banda, um dos seus principais compositores e guitarrista principal – o facto de
os Santana levarem o nome dele leva frequentemente a que se esqueça o contributo
de outros guitarristas maiores, como Neal Schon, que contribuiui não só para a
composição como para a execução de alguns dos temas mais emblemáticos desta fase
de Santana (e que talvez o melhor exemplo seja a fenomenal “Song of the Wind”
de “Caravanserai”). Mas também das contribuições de outros membros da banda,
musicos de excelência de pleno direito, como Michael Shrieve, por exemplo (o
qual, por seu turno, veio a publicar vários álbuns em que se reconhece a vibe
dos primeiros Santana, e que, juntamente com Jon Hassell, pode ser considerado
um dos precursores da world music – antes de Peter Gabriel ter “descoberto” e
embarcado no filão – sem lhe retirar qualquer mérito).
Ainda nesta linha de
raciocínio, o guitarrista / compositor Carlos Santana tinha saído há pouco de
colaborações extraordinárias com outros músicos extraordinários: “Illuminations”,
com Alice Coltrane e “Love Devotion & Surrender”, com John McLaughlin – os quais
são em igual medida, se não mais, importantes quer para o sucesso de “Caravanserai”,
“Welcome” e “Borboletta” – a trilogia de ouro do percurso de fusão dos Santana
nos anos 70 (a que se devem acrescentar alguns temas transcendentes de “Oneness”,
de 1977 e publicado a título individual) – quer para a configuração deste álbum
de 11974.
Em Borboletta temos um
lado 1 preenchido por composições mais curtas – frequentemente sob a forma de
canções - em que a coesão da banda suplanta
algumas fraquezas de composição.
Temos também uma forte
influência brasileira, quer via as percussões de Airto Moreira, as vocalizações
de Flora Purim (“fresca” da colaboração com Chick Corea em Return to Forever), mas
também devido à autoria de Dorival Caymmi do tema central do álbum – “Promise
of a Fisherman”. Curiosamente, tanto Airto como Flora são creditados como
compositores – um exemplo de como a banda era, ainda nesta fase, uma banda
plural.
“Life is Anew”, “Give and
Take”, “One with the Sun”, “Practice what you preach” e “Mirage” estão entre o mais
poppy que os Santana produziram até este ponto – estamos em 1974. Não quer
dizer que sejam maus temas. “Give and Take” é dos mais poderosos temas funk dos
anos 70. “Mirage” é um pop inteligente, com um “hook” de Leon Patillo que sempre
surpreende por não ter sido inventado antes. Descontado as letras um pouco
naives, não envergonham ninguém.
Mas a pièce de resistance
está no lado 2, com a sequência de “Flor de Canela”, “Promise of a Fisherman” e
o tropicalismo final de “Borboletta”, composição de Airto Moreira. Esta
sequência poderia estar no mesmo disco ideal de “Caravanserai” extended e é um
dos pontos altíssimos dos Santana.
Não esquecer, nesta etapa,
o disco o triplo ao vivo gravado em Osaka em 1973 (e saído já em 1974), e que
encaixa como súmula desta fase mítica e mística da banda. “Lotus” vale, quanto
mais não fosse, pelo percurso do lado inteiro final de “Incident at Neshabur”,
repescado de “Abraxas” como uma jornada de força e suspensão – e não me lembro
de mais alguém ter feito algo semelhante neste anos de transcendência e
superação. Por isso os anos 70 têm esse lado de originalidade, em que muitos
músicos procuravam uma voz – a sua voz – e não colecionar tiques e fazer
colagens como se viu e vê hoje em dia. Mas isso é tema para outro post.
Referência final para o
psicadelismo da capa brilhante – com o design partilhado entre o próprio Carlos Santana e
Barry Imhof, com a direção artística de Ed Lee.
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