23 setembro 2007
Trunfos da maioridade
Saiu agora um DVD de David Gilmour, Live at the Royal Albert Hall. É habitual no final das recensões críticas vir a opinião definitiva, o arroubo conclusivo do crítico a aplaudir (timidamente) a obra, ou a relegá-la para as notas de pé de página da história; neste caso, a conclusão vai logo no início: compre antes que esgote.
Roger Waters tem promovido uma discussão estéril sobre quem é Mr. Pink Floyd. Não vale a pena desgastarmo-nos com as linhas escritas sobre o tema. A verdade é que tanto Waters como Gilmour eram um terço do som PF (desculpa lá, Waters!) e o outro terço cabia legitimamente a Mason e Wright, por muito pouco que Waters gostasse de Wright, ao ponto de expulsá-lo da banda por alturas de "Final Cut".
Neste DVD prova-se mais uma vez à saciedade o que já sabíamos: Gilmour persegue a oitava maravilha do acorde fantasma de Wish you Were Here, busca aterrar em Marte depois de ter estado no lado escuro da lua.
A guitarra está lá. As notas agudas em sustain são inegáveis. Este é o som PF, mesmo que se toquem composições de... Gilmour. É curioso, o que é PF legítimo, como a introdução de Dark Side of the Moon, soa a repetição, sem novidades. Tanto Gilmour como Waters têm reclamado este filão como o seu ouro em espectáculos e discos, com mais adrenalina no caso de Waters, mas em abono da verdade ambos têm sido fiéis e aptos guardiões. Mas, sem dúvida, as novas composiçoes de Gilmour em "On an island" são o som planante perdido entre Dark Side e Wish You Were Here e The Division Bell. É só o terceiro album em 30 anos, sinal de que o homem não tem pressa.
E rodeia-se de bons amigos. David Crosby, Graham Nash, Robert Wyatt, David Bowie, Phil Manzanera. Veja-se o ar embevecido de Crosby perante a guitarra budista de Gilmour. West Coast meets The Island... Nos anos 60 tudo era muito mais estanque. É certo que aos 60 anos as etiquetas se tornam irrelevantes e só o prazer conta... o prazer da cumplicidade: e não é que as harmonias vocais de Nash e Crosby secundam na perfeição a voz arrastada de David?
Robert Wyatt é uma figura mítica, um autêntico avatar (antes deste termo passar a ter significado "disfarce" no second life), do rock progressivo. Vê-lo na cadeira de rodas para que o atirou a queda de uma janela em 70 (71?), depois da turbulência dos comandos rítmicos dos Soft Machine (versão free jazz dos Pink Floyd de 67), em perfeita comunhão com Gilmour, é comovente. Este homem não é fácil, militou lado a lado com todas as esquerdas da música, criou o seu próprio muito particular canto na história. Tem sido saudado como uma das vozes verdadeiramente originais que o rock tem para oferecer. Vê-lo, nas suas longas barbas não comprometidas, a fumar um cigarro enquanto espera pelo seu solo, a olhar para a guitarra ritmo, é como olhar para as fundações da terra.
Mr Gilmour toca com a serenidade de não ter que mostrar nada a ninguém. "On an Island" é um album corajoso, no sentido de que marca uma declaração de intenções: fiel a si próprio até ao fim. Este DVD mostra um músico em pleno domínio da sua voz e do seu processo de composição.
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