14 setembro 2010

Berlin, a obra-prima de Lou Reed

Muito se tem questionado, sobretudo depois de ter saído o filme do Schnabel com a actuação ao vivo de Berlin, sobre a razão de ter sido este álbum do Lou Reed, lançado em 1973, tão injustamente ignorado. Há muitas explicações, sendo que a verdade será certamente composta da soma de partes dessas ideias. Há quem defenda que o álbum estava à “frente do seu tempo” (não sei exactamente o que isto significa) ou que era (e é) demasiado triste e deprimente. Francamente, não sei se a alegada tristeza da narrativa – trata-se de um “concept álbum” – justifica, por si só, os 35 anos de marginalidade e esquecimento quase totais… Na verdade, Berlin acaba por ser um fruto menos habitual (invulgar?) no contexto experimentalista e subversivo onde impera uma interessante combinação do “non-sense” radical, do pessimismo sarcástico, da ingenuidade, do cepticismo e do improviso, herdada dos movimentos dadaísta e surrealista dos primórdios do Século XX (ainda que não circunscrita a estas influências). Este ardor intelectual, talentosamente representado pelos extintos Velvet Underground, pelo próprio Lou Reed, os amigos John Cale, Andy Warhol, David Bowie, Brian Eno, entre outros, não parece ser muito harmonizável com a narrativa e o estilo mais conservadores de Berlin, aparente mais próximos da tragédia cantada e recitada (o recitativo) na ópera romântica. De certa forma, Berlin é uma ópera… não no sentido em que o é um “musical-rock” de massas, ao estilo do “Jesus Christ Superstar”, mas sim no sentido da criação do drama musical inspirado em… por que me sobrevém a ideia de tragédia grega?! (bom… isto começa a desregrar-se) Por falar em gregos, o que me parece é que Berlin não conseguiu agradar a gregos nem a troianos! Certamente desconhecido dos apreciadores de estilos representados por chavões do tipo “rock progressivo”, “rock sinfónico”, “rock psicadélico” e quejandos, terá sido igualmente ignorado no meio onde nasceu. Não se trata de uma ideia fechada e incontestável, mas mais de um sentimento enraizado na minha experiência pessoal (conheço o Berlin desde os anos 70 e, apesar dos enérgicos e incansáveis encómios de um velho amigo, reconheço que não dei o valor que hoje lhe dou) … O certo é que vale bem a pena adquirir e ouvir o álbum original (1973), o álbum ao vivo (Dezembro de 2006) e ver (e ouvir) o filme! Este, realizado pelo Julian Schnabel, conta com a excelente actuação ao vivo do Lou Reed e da sua banda de amigos sobre um fundo em movimento lento e denso, onde o tempo e o espaço líquido se esbatem numa lividez nebulosa, pontuada pelas aparições esmorecidas e fluidas de Caroline, dos amigos, dos espaços, dos objectos (Caroline é representada pela estonteante e arrebatadora figura de Emmanuelle Seigner)… Incontestavelmente, o melhor DVD de música que me foi dado a ver e a ouvir! Obrigatório!

2 comentários:

  1. Até que enfim um artigo sério, depois destes posts meio alienígenas! Obrigado Hélio! De facto, Berlin é uma das obras mais marcantes do rock dos anos 70. Não é fácil, mas é uma obra durável, com um cunho de perenidade e criatividade a toda a prova!

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  2. Sou eu quem agradece, caro EL K! Na verdade, são esses “posts meio alienígenas” de que falas que dão vida ao Peru e lhe transmitem o sabor característico das boas vibrações, da multiplicidade das cores, da magnificência das formas e das texturas… sem estricnina!

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