13 março 2013

Sexo, drogas, rock'n'roll: Moody Blues


Quanto mais ouço música e fico velho mais encontro razões para gostar do passado. Pondo de parte discussões sbore Heráclito e o eterno retorno, o presente avança por circumvoluções, cada tentáculo de tempo buscando uma direção. O tempo unidirecional é um mito que só percebemos quando já temos muito pouco tempo; ou quando substancias psicotrópicas nos alteram o raciocínio linear. A convenção "tempo" torna-se visível como uma das linhas possíveis, não a única.

Vem isto a propósito dos sucessivos flashbacks de música feita há 40 ou 50 anos, que emergem regularmente e parecem suscitar um interesse raro.  O que havia de diferente nessa altura que se torna tão interesante hoje e que atrai novos ouvintes? O mesmo que torna Bach um músico venerado hoje... apesar de a sua obra ter trezentos anos...Qual será a música de hoje que se ouvirá daqui a trezentos anos? Beyoncé? Justin Bieber? Madonna? Não me parece...

O mais provável é que se ouça Gershwin, Burt Bacharach, Ennio Morricone, Prokoviev, King Crimson, Gentle Giant... A qualidade da composição, a criatividade e a beleza da mesma hão-de sempre prevalecer. I may be wrong... o tempo devora ícones e promove outros... Mas alguns são perenes.

Enquanto o tempo não se torna tão cruel com o presente, olhar para trás dá-nos a dimensão em grande plano do nosso lugar na paisagem. A "Prog" dedica-se a um fenómeno específico, o chamado "rock progressivo", e curiosamente vende número após número com os nomes de há 40 anos, e, embora o género borbulhe de vitalidade hoje em dia, não são os nomes atuais que fazem a capa (raras exceções há, como Steven Wilson). Dirão que é porque são os cinquentões e sessentões que têm dinheiro para pagar os 12€ que custa a revista em Portugal. Certo, é verdade, mas não é só. Há uma coerência e um sentido de risco que se encontra na musica dessa época que se perdeu.

De uma forma muito simplista, o rock é um fenómeno americano, que vendeu muito bem, até que um punhado de ingleses decidiu afirmar que há muitas influências europeias, das músicas populares europeias ou das música orientais tão ao mais válidas que o blues. Heresia e trambolhão, exultação orgiástica e muitas sinfonias rock depois, o povo cansa-se e quer é o músculo operário dos rapazes que dizem que não sabem tocar e que querem é protestar contra a pobreza que a crise do petróleo lhes trouxe nos anos setenta. Anarchy in the UK. A que se seguem rapazes e raparigas, em gradações indistintas, para quem o baton é deus e o sintetizador liberdade. E volta-se a um novo ciclo de simplicidade, que apenas recentemente parece dar sinais de superação. Sufjan Stevens e Owen Pallet não são rock'n'rollers de três acordes; não andam a dourar uma pílula sorridente de "nuclear não obrigado" e muita força no refrão.

As gerações mudam, mas assim como o pendor simplista ganha visibilidade de forma cíclica (e note-se que produz continuamente música admirável; alguns dos meus all time favorites têm três acordes), a busca de intensidade na musica também.

Parentesis para explicar este último parágrafo. Assumo como pré-conceito que a intensidade precisa de alguma complexidade, ou pelo menos de veracidade, para se exprimir. Assim como raparigas muito atraentes se tornam irritantes passado meia hora e esquecemo-las ao ponto de não lhes recordar o nome duas semanas depois, outras perduram nos sonhos anos depois, mesmo se não inteiramente canónicas na sua beleza, mas devido à sua singularidade e presença; o mesmo se passa com a música. O mistério vem da complexidade, o encantamento da mistério e da memória dele. Recordamos as experiências sensorias intensas, não necessariamente as mais belas. Ora, recriar o mistério em música é saber ao alcance de poucos, e exige mestria e domínio da técnica. Mas não só: exige imaginação e exige entrega. Exige verdade e exige capacidade.

Tivemos a sorte de viver alguns anos no século passado em que a música era entendida como arte e não como mero negócio. Pelo menos houve a possibilidade de uma parte significativa dos atores se preocupar mais com a musica do que com o dinheiro. As ideias fluiam. Como diz um dos músicos da banda de que hoje se fala aqui. "we had no limits".

Quanto se pode criar, sem limites? Muito... ou pouco. Se as bases forem magras, se as influencias forem os três acordes, muito pouco. Mas se a mente estiver excitada pelo música, pela pintura, pelo teatro, pela natureza, pela história, pela literatura, ou por indutores químicos, muitíssimo. E assim, durante uns anos, a música foi frequentemente uma forma de arte, na sua vertente de fusão de influencias e de exploração das representações menos óbvias da mente.

A edição da "Prog" de Março homeageia uma das bandas que mais desbravou os limites da consciência e que foi absolutamente fundamental (a par com os Beatles de Sgt. Peppers e os King Crimson the In the Court), para criar as bases do chamado "rock progressivo". Os Moody Blues, após o desgaste de serem uma banda modelada no blues, enganaram a editora e usaram as horas de estúdio para gravar as suas próprias composições, com a ajuda de Peter Knight que fez os arranjos para a London Symphony Orchestra. Seria isto possível hoje em dia? Enganar a editora e usar os seus recursos sem ser processado? Felizmente a Decca, sobretudo por imposição dos americanos, decidiu avançar com a edição de "Days of Future Passed", e 1967

Curiosamente, os Moodys foram vistos sempre como os meninos bem comportados, mas a investigação a fundo da Prog vem revelar as facetas mais rock'n'roll: os aviões, as groupies, os ácidos... Afinal, este grupo vendeu até hoje 60 milhões de discos... o dinheiro entrava a rodos e a cornucópia dos prazeres logo de seguida. Mas até à última obra da linhagem "clássica", Seventh Sojourn de 1972, a obra é irrepreensível e mesmo os três discos seguintes (Caught Live +5, Octave e Long Distance Voyager), têm muito bons temas. Eles levavam-se a sério, condição essencial para levar a sério os seus ouvintes.

Recomendo sem reservas aos apaixonados de música que comprem e leiam a Prog deste mês e que (re)visitem a obra dos Moody Blues. De espírito aberto, como eles a fizeram. E sentem-se para ouvir. Para os elevadores, trabalho e ginásio há outras coisas...

E não resisto a uma anedota final: no final do mês, de 20 a 25 de Março, estão todos convidados para um cruzeiro nas Caraíbas com os Moody Blues e amigos, juntamente com vários músicos convidados, como Greg Lake, The Strawbs e outros. Uma companhia de cruzeiros achou que havia mercado para ter os fãs a bordo num... cruzeiro da saudade? It's the Love Boat, ah!
http://moodiescruise.com/
Ao minuto 33:10, uma versão de Nights in White Satin ao vivo com orquestra no Royal Albert Hall

1 comentário:

  1. Excelente texto!
    Tal como diz David Symonds (um dos golden boys da Radio 1), “(…) Moody Blues LPs should be supplied free, like school milk and drainage services – not that there’s any connection between the two”...

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