MIDORI TAKADA,
Culturgest, 16 Nov 2018
De todos os
amigos que convidei para ir comigo ao concerto nenhum aceitou; dos que podiam, ninguém
a conhecia e os que leram a wiki-descrição não devem ter gostado:
percussionista japonesa que mistura influencias orientais e jazz. A descrição é
curta, porque no cardápio real entram outros ingredientes, mas por ser mínima rotula
também: certamente uma ave rara. E ainda bem que os amigos não foram: teriam
ficado chocados, ou desiludidos. O seu concerto foi menos um concerto que uma
exploração, um percurso em que ela se move entre sons e os vai percutindo. Pode
testar os limites do que se considera música, se estávamos à espera de
encontrar estruturas definidas e familiares.
Entrou num palco
silencioso anunciando-se por um som mínimo e contínuo que depois se percebeu
que emanava de uma espécie de campainha. Passeou-a pelo palco e ela foi
ganhando volume e definição. Depois passou a um gongo de metal dourado oco
(peço desculpa, mas não conheço aqueles instrumentos), que foi tocando
aumentando de intensidade, o que o fez emitir primeiro um som, resultado da batida
direta, depois dois, resultado da batida e dos harmónicos provocados pela
sequência de batidas e pela caixa de metal (imagino), e depois três, algo no
meio dos dois. Um som que ganhou volume,
espessura e carácter hipnótico. Depois
tocou com baquetas em pratos diversos espalhados pelo palco; ora uma só
pancada, para lhe revelar o som, ora sequências. Depois passou para o vibrafone
imenso, onde criou estruturas repetitivas entrecruzadas (o som “de marca” que
lhe ouvimos no seu álbum de estreia). A experiência é certamente absorvente; e
fechando os olhos ganha toda uma outra espacialidade. Má ideia num concerto à
noite, no final de um dia de trabalho. Passei pelas brasas, ou por um estado
intermédio, porque os sons, dotados de hipnotismo, entraram na modorra e
foram-se transformando em sonhos.
Parêntesis para
falar sobre a tosse: a acústica da Culturgest é admirável, e propaga da mesma
forma os sons ínfimos dos pratos de Takada como a tosse do outro lado da sala. Porque
tossem tanto as pessoas quando a musica exige silêncio? Será por uma reação
incontrolada à necessidade de silêncio?
Ela não disse uma
palavra, nem tossiu: saiu como entrou, voltou à sala, inclinou-se e agradeceu,
fez um encore e saiu. Muito longe da comunicação dos músicos ocidentais.
Durante o
concerto, imaginei-me a entrar numa casa desconhecida, em silêncio e atento ao
que se passa nela. Ora se ouvem os sons de fora, através dos vidros, como se
houve a canalização da casa, como o som da madeira que range, como se entra
numa divisão e há ruido e gente. É um percurso, não é uma música, um tema, um
concerto. Muito curiosamente, ou não, dada a associação que MT faz no seu
primeiro disco ao pintor Henri Rousseau, eu ouço-a como uma espécie de realismo
mágico. As pinturas de Rousseau evocam uma espécie de tropicalismo de salão ,um
sentido deslocado. O mesmo sentido pode encontrar-se na música de MT: uma
realidade transformada, entrevista ecoada, manipulada pela sua intervenção. O
que, a ser verdade, pode justificar o título do álbum: “Through the Looking
Glass”.
É certamente
injusto reduzir a sua musica a influências orientais e jazz. Ouvi muito pouco
jazz, ou nenhum, ouvi um espírito oriental, mas os sons vinham de África e estavam
cruzados com o minimalismo, mas do básico, daquele que não enreda sequências infinitas,
algumas muito chatas (hello Philip Glass em modo automático). Steve Reich,
certamente, do início. Mas o minimalismo é mais uma designação da sua música
que a identificação de um estilo. Não é maximalista, é feita de sons mínimos,
por isso é minimalista. Mas, se por vezes é sequencialista repetitiva, não é
extensivamente sequencialista. O seu trabalho é de exploração do som: como soa
uma tarola percutida inúmeras vezes de forma diferente? O que se pode ouvir
numa sala escura? E algumas das suas pancadas eram tão débeis que se pode
legitimamente interrogar se existiram, no entanto todos as ouvimos (admito que
não houvesse na sala espectadores com deficiências auditivas graves…)
Se a ressurreição
de MT é um “milagre” como ela própria diz ao Público, fruto de um utilizador do
you tube e dos insondáveis algoritmos da aplicação, como se diz no programa do
concerto, então é uma ressurreição oportuna e que a vem colocar ao lado de
Brian Eno ou Harold Budd, e abriu o
caminho para outras obras totalmente esquecidas, como as de Hiroshi Yoshimura.
Na história, um hiato de 30 anos não é nada e felizmente que MT teve a
oportunidade de ser reconhecida em vida. Esta noite, na Culturgest, assistiu-se
a um nascimento, para o público, e um renascimento (para ela), coisa que não
acontece todos os dias…
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