Um músico complexo, com uma paleta de criação que varre
vários territórios musicais e geográficos. Um esteta à procura de novas ideias
e sensações que não rejeita nenhum campo de experiência. Um músico epidérmico,
que toca emoções à flor da pele.
No início, ou quase no início, há uma ideia de centralidade
da América, uma música que brota da imobilidade do midwest e que a celebra. American
Garage e as vastas planícies, a que o baixo de Jaco pastorius serve bem como
linha do horizonte. Exemplo “(Cross the) Heartland”. Uma América de cidades
solitárias e longas conexões vazias entre elas, com uma melancolia existencial
como fio condutor.
Esta ideia de pintor de paisagens serve-lhe também para
pintar paisagens interiores. Em vários discos o que descreve é o mundo da
mente, as impressões da paisagem, como em “New Chautauqua”. Ou os estudos
psicológicos individuais de “One Quiet Night” e “What’s it all about”, em que
reduz à frieza introspetiva temas emotivos como “Garota de Ipanema” ou “That’s
the way I Always Heard it Should be”.
Mais tarde, o multiculturalismo, após o contacto com a
música de Milton Nascimento e o Brasil em geral, género musical sensual que
Metheny sentiu na pele.
“Offramp” é a tentativa deliberada e bem conseguida de
criar uma nova linguagem, híbrido de jazz, fusão, tropicalismo e easy listening
que marca os discos que se seguem. Mas em que não faltam sempre os movimentos
aquosos, lentos e hipnóticos como “Au Lait”, algo que Metheny manteve em
(quase) toda a discografia. Ou já a dissonância free de "Offramp". E
que se seguiu na aproximação ao jazz ligeiro e vocal, como evidencia o disco
com a cantora polaca Anna Jopek (“Upojenie”) ou o italiano Pino Daniele.
Faceta esta em que se encaixam, quase sempre, as parcerias
com Gary Burton, alinhado desde cedo com Metheny e que, por via do seu próprio
ecletismo, combina bem com a “estética GRP" que às tantas lhe parece
convidativa (e comercialmente bem sucedida?). Sem que isto implique menorizar o
trabalho do duo: muitas vezes aproximando-se de uma música feliz e
descomplexada, como em “Tiempos Felice”, eterno retorno à melodia em “Reunion”
que nada tem a ver com a expressão amargurada e “negra” do jazz clássico.
E como a outra face nunca anda longe, tanto se aproximou de
algum hermetismo mais clássico do jazz (ex: nos discos com Michael Brecker),
como procura o free e algum radicalismo estético (ex: “Song X”, com Ornette Coleman), ou o expressionismo
elétrico próprio (“Zero Tolerance for Silence”). Ou a atualização constante das
parecerias com alguns dos músicos mais excitantes do cânone pós-clássico do
jazz (esta expressão existe?), como Brad Mehldau, Esbjörn Stevensson, David Liebman,
Dave Holland, Ulf Wakenius ou John Zorn ou a própria Joni Mitchell. Com o risco
de por vezes sair totalmente daquilo que se ouve e diz: “´é jazz”. Ou ainda a
musica mais académica (mas não menos envolvente) em parceria com Steve Reich
(ex: Different Trains / Electric Counterpoint”).
Pelo caminho ficam umas experiências de música mecânica, com
a construção do admirável Orchestrion, que vale sobretudo como conceito e obra solipsista,
mas que, lá está, renega a alma. Mas a prova está feita.
Nunca falei em prémios, nem reconhecimento dos pares, que é o
que mais interessa, mais do que juízos voláteis dos “críticos” e da apreciação lisonjeira
do público. Eles estão lá, são a face visível do fenómeno, mas não a mais
interessante.
Uma coletânea, qualquer que seja ou tenha a extensão que
tenha, nunca fará jus à diversidade de um criador insaciável, um instrumentista
de topo e um esteta insatisfeito. Nada como ir absorvendo, apreciando pouco a
pouco, e degustar com tempo os “morceaux admirables” que a sua obra deposita
nas margens do rio da música.