25 julho 2024

Pat Metheny (um draft de um estudo em evolução)


Um músico complexo, com uma paleta de criação que varre vários territórios musicais e geográficos. Um esteta à procura de novas ideias e sensações que não rejeita nenhum campo de experiência. Um músico epidérmico, que toca emoções à flor da pele.

No início, ou quase no início, há uma ideia de centralidade da América, uma música que brota da imobilidade do midwest e que a celebra. American Garage e as vastas planícies, a que o baixo de Jaco pastorius serve bem como linha do horizonte. Exemplo “(Cross the) Heartland”. Uma América de cidades solitárias e longas conexões vazias entre elas, com uma melancolia existencial como fio condutor.

Esta ideia de pintor de paisagens serve-lhe também para pintar paisagens interiores. Em vários discos o que descreve é o mundo da mente, as impressões da paisagem, como em “New Chautauqua”. Ou os estudos psicológicos individuais de “One Quiet Night” e “What’s it all about”, em que reduz à frieza introspetiva temas emotivos como “Garota de Ipanema” ou “That’s the way I Always Heard it Should be”.

Mais tarde, o multiculturalismo, após o contacto com a música de Milton Nascimento e o Brasil em geral, género musical sensual que Metheny sentiu na pele.

“Offramp” é a tentativa deliberada e bem conseguida de criar uma nova linguagem, híbrido de jazz, fusão, tropicalismo e easy listening que marca os discos que se seguem. Mas em que não faltam sempre os movimentos aquosos, lentos e hipnóticos como “Au Lait”, algo que Metheny manteve em (quase) toda a discografia. Ou já a dissonância free de "Offramp". E que se seguiu na aproximação ao jazz ligeiro e vocal, como evidencia o disco com a cantora polaca Anna Jopek (“Upojenie”) ou o italiano Pino Daniele.

Faceta esta em que se encaixam, quase sempre, as parcerias com Gary Burton, alinhado desde cedo com Metheny e que, por via do seu próprio ecletismo, combina bem com a “estética GRP" que às tantas lhe parece convidativa (e comercialmente bem sucedida?). Sem que isto implique menorizar o trabalho do duo: muitas vezes aproximando-se de uma música feliz e descomplexada, como em “Tiempos Felice”, eterno retorno à melodia em “Reunion” que nada tem a ver com a expressão amargurada e “negra” do jazz clássico.

E como a outra face nunca anda longe, tanto se aproximou de algum hermetismo mais clássico do jazz (ex: nos discos com Michael Brecker), como procura o free e algum radicalismo estético  (ex: “Song X”, com Ornette Coleman), ou o expressionismo elétrico próprio (“Zero Tolerance for Silence”). Ou a atualização constante das parecerias com alguns dos músicos mais excitantes do cânone pós-clássico do jazz (esta expressão existe?), como Brad Mehldau, Esbjörn Stevensson, David Liebman, Dave Holland, Ulf Wakenius ou John Zorn ou a própria Joni Mitchell. Com o risco de por vezes sair totalmente daquilo que se ouve e diz: “´é jazz”. Ou ainda a musica mais académica (mas não menos envolvente) em parceria com Steve Reich (ex: Different Trains / Electric Counterpoint”).

Pelo caminho ficam umas experiências de música mecânica, com a construção do admirável Orchestrion, que vale sobretudo como conceito e obra solipsista, mas que, lá está, renega a alma. Mas a prova está feita.

Nunca falei em prémios, nem reconhecimento dos pares, que é o que mais interessa, mais do que juízos voláteis dos “críticos” e da apreciação lisonjeira do público. Eles estão lá, são a face visível do fenómeno, mas não a mais interessante.

Uma coletânea, qualquer que seja ou tenha a extensão que tenha, nunca fará jus à diversidade de um criador insaciável, um instrumentista de topo e um esteta insatisfeito. Nada como ir absorvendo, apreciando pouco a pouco, e degustar com tempo os “morceaux admirables” que a sua obra deposita nas margens do rio da música.

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