03 janeiro 2011

Bitte Orca

Começo esta nota por concordar plenamente com o que o Luís escreve em “O que eles dizem sobre 2010”. Fazendo minhas as suas palavras, “Alguma humildade crítica era desejável”, de facto, e “é redutor dizer que um determinado disco é o melhor” do mês, do ano ou da década, precisamente porque “a música é demasiado universal para ser reduzida” a um conjunto necessariamente limitado de audições, condicionado por gostos e tendências. A arte é uma acção livre que enobrece e nada tem que ver com a sobrevalorização de um dado tipo de expressão, que quase sempre está associada a desconhecimento e preconceito… trata-se de um assunto de que gostaria de aprofundar aqui no Peru. Chamem-lhe Indie Rock Experimental ou o que quiserem. Já chamei o Speaking In Tongues dos Talking Heads de “música cubista”, durante uma audição com amigos, e, na verdade, sinto-o e “vejo-o” como tal. Também o termo “Impressionismo” tem origem numa crítica inspirada no quadro ”Impressão Sol Nascente” do Monet (que certamente todos ou quase todos conhecem). Ironicamente a classificação foi usada de forma depreciativa, sobreviveu e acabou por ser aplicada na literatura e na música (Debussy e Ravel são justamente considerados os maiores compositores impressionistas). Os nomes valem o que valem e temos necessidade de classificar as coisas – é assim que pensamos, comunicamos e actuamos. É claro que esta necessidade não justifica o risco de afeição obstinada (redutora) por um dado tipo (nome) de música, ainda que constitua parte do fenómeno. Pois que classifiquem o Bitte Orca dos Dirty Projectors de “Indie Pop/Rock Experimental”! Que digam que faz lembrar o melhor dos Talking Heads! Tanto me faz e não posso dizer que discordo (que falta de sentido de oportunidade estar agora a falar de mais um álbum de 2009, logo no terceiro dia deste jovem 2011… mas a verdade é que se trata de uma obra de que ando para falar há algum tempo aqui no Peru). O importante a dizer é que vale bem a pena ouvir (ouvir bem) este álbum dos Dirty Projectors! Sentir a sua beleza singular, apreciar a conjugação extraordinária do experimentalismo com a simplicidade das melodias magistralmente suportadas no rendilhado das harmonias… tudo muito arejado, jovial, fresco, solto! Os coros de Amber Coffman e Angel Deradoorian surgem fogosos e instantâneos num contexto ritmado, enérgico, inebriante e encantador! Que grande música! Vale bem a pena adquirir este extraordinário Bitte Orca que justamente se encontra ao nível do igualmente incrível e mais laureado Veckatimest dos Grizzly Bear, também de 2009.

2 comentários:

  1. O Hélio tem razão. O Hélio é sábio. Não andará pelo intricado cruzamento de temas e melodias dos Dirty Projectors, uma sombra dos Gentle Giant? É o que me vem à cabeça quando ouço, por exemplo, "Temelecula Sunrise"

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  2. Concordo absolutamente, com excepção dessa do sábio… mas é engraçado comentares, porque quando ouvi essa música pela primeira vez, ocorreu-me imediatamente a imagem da capa do álbum “Power and Glory”, dos Gentle Giant, com o qual há, de facto, momentos de grande afinidade estilística! É caso para dizer que ao tema só faltaria mesmo a incrível precisão matemática da batida do John Weathers (não estou a falar a sério, é claro, o "Temelecula Sunrise" está muito bem como está) …
    O Bitte Orca é um álbum extraordinário que me tem dado muitas horas de verdadeiro prazer.

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