06 maio 2015

O toque

Dizem que a música é imaterial; que não se prende a suportes. Que já não há cabeças magnéticas, como aquelas que liam as cassetes. Que a vida é feita de nuvens, que pairam, electrónicas, sobre as nossas cabeças desmagnetizadas. Que o contacto físico da agulha e da espira introduz sujidade; que um vírus maligno se apoderou das relações outrora inocentes.

E ainda acrescentam que tudo cabe numa mão, e se leva todo o lado. Acabaram com a ansiedade da espera, cada relação se concretiza de imediato e sem mistério, sem suspiros de antecipação nem gritos de prazer sonoro. É tudo comprimido, é tudo uma pílula que há que engolir e seguir, esperando nunca engravidar de sonhos.

E eu digo: pois é. A música sempre foi imaterial. A música sempre será imaterial e viverá onde tiver que viver. O que já não é o toque, o objecto, a obra de arte que se desvenda, o cheiro do papel, as fotos a uma cor de obras anunciadas no paper sleeve. Já não há a raridade: a raridade tornou-se uma relíquia.

Mas na realidade, quando tudo está disponível, nós é que podemos não estar disponíveis. E ficarmos raros (e feitos) de papel celofane ou seda selvagem e não nos apetecer ser trocados de faixa em faixa. Às vezes pode apetecer-nos sentar e ficar a ouvir o fio de Ariadne que entra no labirinto. E até fechar os olhos – lá está, desmaterializar-nos.

Portanto, decido: eu não gosto de objectos. Eu gosto é de arte. E a música tem ficado mais pobre de arte.




Sem comentários:

Enviar um comentário