Dizem que a música é imaterial; que não se prende a
suportes. Que já não há cabeças magnéticas, como aquelas que liam as cassetes. Que
a vida é feita de nuvens, que pairam, electrónicas, sobre as nossas cabeças
desmagnetizadas. Que o contacto físico da agulha e da espira introduz sujidade;
que um vírus maligno se apoderou das relações outrora inocentes.
E ainda acrescentam que tudo cabe numa mão, e se leva todo o
lado. Acabaram com a ansiedade da espera, cada relação se concretiza de
imediato e sem mistério, sem suspiros de antecipação nem gritos de prazer
sonoro. É tudo comprimido, é tudo uma pílula que há que engolir e seguir,
esperando nunca engravidar de sonhos.
E eu digo: pois é. A música sempre foi imaterial. A música
sempre será imaterial e viverá onde tiver que viver. O que já não é o toque, o
objecto, a obra de arte que se desvenda, o cheiro do papel, as fotos a uma cor
de obras anunciadas no paper sleeve. Já não há a raridade: a raridade tornou-se
uma relíquia.
Mas na realidade, quando tudo está disponível, nós é que
podemos não estar disponíveis. E ficarmos raros (e feitos) de papel celofane ou
seda selvagem e não nos apetecer ser trocados de faixa em faixa. Às vezes pode
apetecer-nos sentar e ficar a ouvir o fio de Ariadne que entra no labirinto. E
até fechar os olhos – lá está, desmaterializar-nos.
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