28 setembro 2025

Santana - "Borboletta"



O “Borboletta” é um álbum de transição. Transição que parte da deriva de fusão de “Caravanserai”,  e embora na mesma linha de “Welcome”, caminha mais na direção do pop rock que viria a “contaminar” grande parte da discografia da banda do final dos anos 70 e anos 80.

 Se, por um lado, ainda temos as introduções instrumentais que parecem saídas das selvas sul-americanas e os temas longos em que a banda cria um delírio de fusão tropical e jazzístico, por outro criam temas pop-soul-funk que apontam para um mainstream mais cálido. “Borboletta” seria seguido por “Amigos” e “Festival”, em que a banda seguiu para águas menos agitadas, e em que a composição sai mais da pena do trio Carlos Santana – Tom Coster – Leon Patillo.

É preciso não confundir Santana com Carlos Santana – Santana é a banda, que sempre reuniu vários talentos e vários talentosos compositores; Carlos Santana é o músico que deu nome à banda, um dos seus principais compositores e guitarrista principal – o facto de os Santana levarem o nome dele leva frequentemente a que se esqueça o contributo de outros guitarristas maiores, como Neal Schon, que contribuiui não só para a composição como para a execução de alguns dos temas mais emblemáticos desta fase de Santana (e que talvez o melhor exemplo seja a fenomenal “Song of the Wind” de “Caravanserai”). Mas também das contribuições de outros membros da banda, musicos de excelência de pleno direito, como Michael Shrieve, por exemplo (o qual, por seu turno, veio a publicar vários álbuns em que se reconhece a vibe dos primeiros Santana, e que, juntamente com Jon Hassell, pode ser considerado um dos precursores da world music – antes de Peter Gabriel ter “descoberto” e embarcado no filão – sem lhe retirar qualquer mérito).

Ainda nesta linha de raciocínio, o guitarrista / compositor Carlos Santana tinha saído há pouco de colaborações extraordinárias com outros músicos extraordinários: “Illuminations”, com Alice Coltrane e “Love Devotion & Surrender”, com John McLaughlin – os quais são em igual medida, se não mais, importantes quer para o sucesso de “Caravanserai”, “Welcome” e “Borboletta” – a trilogia de ouro do percurso de fusão dos Santana nos anos 70 (a que se devem acrescentar alguns temas transcendentes de “Oneness”, de 1977 e publicado a título individual) – quer para a configuração deste álbum de 11974.

Em Borboletta temos um lado 1 preenchido por composições mais curtas – frequentemente sob a forma de canções -  em que a coesão da banda suplanta algumas fraquezas de composição.

Temos também uma forte influência brasileira, quer via as percussões de Airto Moreira, as vocalizações de Flora Purim (“fresca” da colaboração com Chick Corea em Return to Forever), mas também devido à autoria de Dorival Caymmi do tema central do álbum – “Promise of a Fisherman”. Curiosamente, tanto Airto como Flora são creditados como compositores – um exemplo de como a banda era, ainda nesta fase, uma banda plural.

“Life is Anew”, “Give and Take”, “One with the Sun”, “Practice what you preach” e “Mirage” estão entre o mais poppy que os Santana produziram até este ponto – estamos em 1974. Não quer dizer que sejam maus temas. “Give and Take” é dos mais poderosos temas funk dos anos 70. “Mirage” é um pop inteligente, com um “hook” de Leon Patillo que sempre surpreende por não ter sido inventado antes. Descontado as letras um pouco naives, não envergonham ninguém.

Mas a pièce de resistance está no lado 2, com a sequência de “Flor de Canela”, “Promise of a Fisherman” e o tropicalismo final de “Borboletta”, composição de Airto Moreira. Esta sequência poderia estar no mesmo disco ideal de “Caravanserai” extended e é um dos pontos altíssimos dos Santana.

Não esquecer, nesta etapa, o disco o triplo ao vivo gravado em Osaka em 1973 (e saído já em 1974), e que encaixa como súmula desta fase mítica e mística da banda. “Lotus” vale, quanto mais não fosse, pelo percurso do lado inteiro final de “Incident at Neshabur”, repescado de “Abraxas” como uma jornada de força e suspensão – e não me lembro de mais alguém ter feito algo semelhante neste anos de transcendência e superação. Por isso os anos 70 têm esse lado de originalidade, em que muitos músicos procuravam uma voz – a sua voz – e não colecionar tiques e fazer colagens como se viu e vê hoje em dia. Mas isso é tema para outro post.

Referência final para o psicadelismo da capa brilhante – com o design partilhado entre o próprio Carlos Santana e Barry Imhof, com a direção artística de Ed Lee.

25 agosto 2025

A Novella dos Renaissance


 

O 9º álbum dos Renaissance, publicado em 1977, antecede num ano o fim do seu período de ouro - em 1978 publicariam a sua segunda obra-prima, "A Song for All Seasons" (note-se que esta classificação como "obra-prima" e como a "segunda" da banda - após "Ashes are Burning" - é uma opinião própria que é muito disputada pelos fãs da banda. Este é um tema para outro cometário).

A seguir a 78 entrariam nas águas cálidas da pop, sem grande interesse. O apetite pelas orquestrações grandiloquentes e pelos temas longos e complexos, caraterisitica do progressivo mais sinfónico,  já estava em forte confronto com a estética brutalista e "no talent" do punk. "Novella" é já um dia de sol fora da estação. Sol de inverno, por assim dizer. O ultimo álbum de originais antes de "Novella" é o aclamado Scheherazade and other stories, considerado por muitos o pináculo artísitico da banda, e inevitavelmente é dificil fazer seguir a um cume outro cume; ainda para mais os Renaissance estavam a ter grande sucesso nos EUA, de onde saiu o concerto no Carnegie Hall (1976).  Annie Haslam preparava já o seu primeiro álbum a solo, que sairia também em 1977.  "Novella" é por isso, uma obra de um período intermédio - entre o sucesso e o futuro.

Não há nada de fundamentalmente novo ou diferente em "Novella". A voz de Annie Haslam, com aquela britishness tão própria, é a mesma; a composição está entregue aos mesmos e segue os mesmos standards; o baixo de Jon Camp continua admirável, assim como a guitarra acustica de Michael Dunford. A produção é ainda da banda. Há, no entanto, um ar de mais leveza que atravessa o álbum, mais espaço para se ouvir a voz, que é muito patente em "The Sisters", um dos momentos mais líricos e atmosféricos da banda.  A banda parece de alguma forma mais relaxada. "Novella" está a par com outras obras tardias de bandas que tiveram muito sucesso e que mantiveram o nível de qualidade, mas de alguma forma o público valorizou menos. Estou a pensar, por exemplo, no Procol' Ninth (1975), dos Procol Harum, que é excelente, mas que ouvido em sequência não tem a ambição ou a grandiloquência de um "Grand Hotel" (1973), ou mesmo de "Exotic Birds and Fruit" (1974). à distância, e fora do seu contexto, brilham de forma diferente. E por isso a reavaliação que o tempo permite, com o seu jogo de espelhos e reflexos, traz uma luz nova a velhas joias. 

Temas favoritos: The Sisters, Midas Man, The Captive Heart, Touching Once (is so hard to keep)

O álbum foi publicado com duas capas diferentes, uma para os EUA, outra para o UK. Neste caso, usa-se a capa UK

29 novembro 2024

Suck Electronic Enciclopedic, Asfixia Al Carrer Valencia


 

Barcelona, 1976 /77 - edição Wah Wah Records 2014

Banda que nunca editou nada até ao início dos anos 80, mas com um estatuto mítico pela notoriedade underground em Barcelona e pelo estatuto que alcançaram em França e Inglaterra. Herdeiros da escola alemã dos Tangerine Dream, período Phaedra, com sintetizadores que eles próprios construiam, não estariam fora de contexto numa coletânea de banda obscuras de krautrock. Mas o seu legado vai bastante além disso. Têm um som próprio, que tanto vai a um proto rock jazz como a derivações psicadélicas. Normalmente enquadrados como parte das bandsas RIO. E como mostra a memorabilia desta edição, uma banda ligada às correntes artísticas visuais alternativas, com uma imagem própria e fracturante (para a época).

Mais do que uma curiosidade, um legado de uma época de experimentação e procura. A abertura pós ditadura franquista abriu janelas numa região autónoma que sempre esteve mais próxima da Europa Central do que de Madrid e dos "espanholismos". Barcelona, uma cidade culta e europeia, com musicos de raiz jazzística, de mente aberta,  tão longe do primitivismo pós-revolucionário português. 

Embora a secção rítmica pareça um pouco mal amanhada em alguns temas, há que considerar que o que conhecemos deles vem de gravações ao vivo (exceto o álbum que foi publicado em 1982, L'Home Reanimat). E na verdade, tem mais a ver com a gravação ao vivo do que com a qualidade da música.

Excelente recuperação da Wah-Wah Records, que um dia terá que ser elogiada pelo seu papel na reedição de obras que cairam no esquecimento ou que nunca fizeram parte dos brilhos dos cancioneiros progressivos e alternativos mais mainstream. A própria loja da Wah-Wah, no Barri Gótic, gerida pelo imutável Jordi, é um local mítico, uma caverna de ali babá onde é possível gastar a herança do pai e sair feliz com um sorriso estúpido na cara. Eu, pecador me confesso... 

Notas da edição da Wah-Wah Records:

"We are proud to present for the first time ever the lost 1976 / 1977 recordings by this legendary band from Barcelona. Suck Electrònic Enciclopèdic were born in 1975, in the last days of Franco's dictature, when Spain was awaking again to democracy and everything was possible. Even with the menace of an army too friendly to the old regime a fresh new breeze was spreading the change, and S.E.E. were an important part of its musical underground movement and the ones who brought influences from their kraut cosmische heroes Klaus Schulze or Tangerine Dream to it. The constant line-up changes (over 30 musiccians have been members of S.E.E. at one time or another, with some of them moving to other important projects of the era - like Neuronium, for instance) made it difficult for them to produce a consistent recorded work. Actually they only released one LP and it was already in the 1980's, but the recordings contained on Asfixia al carrer València where done in their early days, when they were at the peak of their creativity in 1976 / 1977. At that time they had a unique sound that no one else shared since they were building their own synthesizers and they were the only Spanish band to feature four keyboardists, and also one of the few to tour with bands such as Embryo, Etron Fou Leloublan, Potemkine or Henry Cow. They were part of the Rock In Opposition (RIO) collective along with Stormy Six, Univers Zero, Samla Mammas Manna, Art Zoyd, Art Bears, and other experimental progressive avant-garde outfits. The Wah Wah LP is a selection of tracks from more than three hours of material that was recorded but never released. Plans for LPs produced by Kevin Ayers and Robert Wyatt were made, as others to record in France - first in Avignon's Free Son Studios under production from Daevid Allen and David Vorhaus with the collaboration of Shakti Yoni, and then in Tolouse's Tangara Studio with Jean Pierre Grasset from Verto - but they never materialised. A phenomenal document of the electronic psychedelic sound that Suck Electronic Enciclopèdic were exploring in their early days, including plenty of photos and memorabilia to transport the listener to their world of science ficcion imagery, psychedelia and progressive experimentation that was to supply a lot of influences to many bands to come in the Barcelona scene. Previously unreleased, recorded between 1976 and 1977, the Wah Wah issue will come housed in a quality glossy laminated gatefold sleeve printed on silver cardboard, remastered sound by Bob Drake (of Henry Cow fame), and featuring a 20 page booklet with photos and liner notes and a comic strip. Limited edition of only 500 copies."

17 setembro 2024

Quiet Sun, El Sol Tranquilo d'El Manzanero

 


Manzanera com o seu salero latino é bom, mas Manzanera com o seu chapéu de inventor e óculos de mosca é muito bom. Os Quiet Sun são a banda que ele desbandou para bandar com os Roxy Music. Em 1975, depois de “Country Life” dos Roxy, depois de participar em (e produzir) “Fear”, de John Cale, depois de tocar em “Taking Tiger Mountain by Strategy” de Eno, Manzanera reforma a banda para tocar a musica composta 6 anos antes.

Como se adivinha, a música é tudo menos mainstream. Com esta companhia (Bill McCormick, Charles Hayward, Dave Jarrett), os Quiet Sun criam um dos álbuns fundamentais de 1975 e da música inquieta britânica.

Manzanera continuou a sua carreira eclética, capaz de tocar com todos e nunca perder o pé, e livre, com os seus grupos e como músico em bandas de outros, capaz de se encaixar em formações alheias e deixar a sua marca. Não por acaso, a sua ligação duradoura com David Gilmour, nas fases mais recentes da carreira deste, mostra a capacidade de se adaptar, de contribuir como um entre iguais sem problemas de ego ou competições, que só fazem sentido para espíritos mesquinhos.

Manzanera é um dos grandes guitarristas de rock do século passado (considerando que a parte mais significativa do seu trabalho foi lançada no século XX), sempre com um perfil discreto mas também sempre capaz de deixar o seu lastro de invenção por onde passa. Os Quiet Sun são um dos exemplos mais livres da sua invenção.

25 agosto 2024

Joachim Kühn, Springfever

Joachim Kühn, compositor e pianista de jazz alemão, em modo jazz rock versão europeia, mas seguindo fundamentalmente o modelo americano, aqui representado  através do baterista Gerald Brown, que tocou com Stanley Clarke e com os Return to Forever de Chick Corea.

A fusão invoca não só a junção de vários géneros (normalmente o jazz contemporâneo e o rock), mas também o estado efervescente que a música frequentemente invoca e provoca. Esta fusão será o paroxismo do rock, por oposição ao delírio mais contido e cerebral do jazz. Vem à memória imediatamente os Vulcan Worlds dos RTF, ou a música em estado de lava cósmico dos Mahavishnu. Aqui, como na faixa de abertura Lady Amber, procura-se derreter o ouvinte através da temperatura da música. Já mais à frente, é o meio-tempo mais melódico e suportado pelos fraseados de piano de Kühn (nunca desinteressantes nem monótonos), como em Sunshine.

Uma nota para Philip Catherine, guitarrista belga versátil que colaborou com meio mundo na cena jazz europeia e não só – como provam os discos com Stéphane Grapelli, Larry Coryell, Chet Baker, Jean-Luc Ponty, Toots Thielemans, etc. Alguns discos a solo dele parecem-me mais “medianos” (ex. “Transparence”), parece ser no contexto dos vários ensembles, acústicos ou elétricos, que ele dá o seu melhor.

Kühn é um excelente pianista e compositor e merecia ser mais reconhecido. A imprensa musical europeia não tem a pujança da norte-americana, talvez por isso, mas Kühn, como tantos outros na cena inglesa, francesa, alemã, nórdica e polaca, pode estar lado a lado com tantos outros do outro lado do atlântico; e tanto assim é que muitos deles “vieram cá” para tocar com eles, ou “importaram-nos” para lá.

De mais a mais, tem uma extensa carreira e continua ativo ainda hoje (ultimamente mais ligado à editora ACT, que é uma das power houses atual do jazz do norte da Europa)

Alemanha, 1976

Faixas: Lady Amber, Morning, Equal Evil

Ouvido em vinil, edição alemã




25 julho 2024

Pat Metheny (um draft de um estudo em evolução)


Um músico complexo, com uma paleta de criação que varre vários territórios musicais e geográficos. Um esteta à procura de novas ideias e sensações que não rejeita nenhum campo de experiência. Um músico epidérmico, que toca emoções à flor da pele.

No início, ou quase no início, há uma ideia de centralidade da América, uma música que brota da imobilidade do midwest e que a celebra. American Garage e as vastas planícies, a que o baixo de Jaco pastorius serve bem como linha do horizonte. Exemplo “(Cross the) Heartland”. Uma América de cidades solitárias e longas conexões vazias entre elas, com uma melancolia existencial como fio condutor.

Esta ideia de pintor de paisagens serve-lhe também para pintar paisagens interiores. Em vários discos o que descreve é o mundo da mente, as impressões da paisagem, como em “New Chautauqua”. Ou os estudos psicológicos individuais de “One Quiet Night” e “What’s it all about”, em que reduz à frieza introspetiva temas emotivos como “Garota de Ipanema” ou “That’s the way I Always Heard it Should be”.

Mais tarde, o multiculturalismo, após o contacto com a música de Milton Nascimento e o Brasil em geral, género musical sensual que Metheny sentiu na pele.

“Offramp” é a tentativa deliberada e bem conseguida de criar uma nova linguagem, híbrido de jazz, fusão, tropicalismo e easy listening que marca os discos que se seguem. Mas em que não faltam sempre os movimentos aquosos, lentos e hipnóticos como “Au Lait”, algo que Metheny manteve em (quase) toda a discografia. Ou já a dissonância free de "Offramp". E que se seguiu na aproximação ao jazz ligeiro e vocal, como evidencia o disco com a cantora polaca Anna Jopek (“Upojenie”) ou o italiano Pino Daniele.

Faceta esta em que se encaixam, quase sempre, as parcerias com Gary Burton, alinhado desde cedo com Metheny e que, por via do seu próprio ecletismo, combina bem com a “estética GRP" que às tantas lhe parece convidativa (e comercialmente bem sucedida?). Sem que isto implique menorizar o trabalho do duo: muitas vezes aproximando-se de uma música feliz e descomplexada, como em “Tiempos Felice”, eterno retorno à melodia em “Reunion” que nada tem a ver com a expressão amargurada e “negra” do jazz clássico.

E como a outra face nunca anda longe, tanto se aproximou de algum hermetismo mais clássico do jazz (ex: nos discos com Michael Brecker), como procura o free e algum radicalismo estético  (ex: “Song X”, com Ornette Coleman), ou o expressionismo elétrico próprio (“Zero Tolerance for Silence”). Ou a atualização constante das parecerias com alguns dos músicos mais excitantes do cânone pós-clássico do jazz (esta expressão existe?), como Brad Mehldau, Esbjörn Stevensson, David Liebman, Dave Holland, Ulf Wakenius ou John Zorn ou a própria Joni Mitchell. Com o risco de por vezes sair totalmente daquilo que se ouve e diz: “´é jazz”. Ou ainda a musica mais académica (mas não menos envolvente) em parceria com Steve Reich (ex: Different Trains / Electric Counterpoint”).

Pelo caminho ficam umas experiências de música mecânica, com a construção do admirável Orchestrion, que vale sobretudo como conceito e obra solipsista, mas que, lá está, renega a alma. Mas a prova está feita.

Nunca falei em prémios, nem reconhecimento dos pares, que é o que mais interessa, mais do que juízos voláteis dos “críticos” e da apreciação lisonjeira do público. Eles estão lá, são a face visível do fenómeno, mas não a mais interessante.

Uma coletânea, qualquer que seja ou tenha a extensão que tenha, nunca fará jus à diversidade de um criador insaciável, um instrumentista de topo e um esteta insatisfeito. Nada como ir absorvendo, apreciando pouco a pouco, e degustar com tempo os “morceaux admirables” que a sua obra deposita nas margens do rio da música.

20 dezembro 2023

2023: Looking back

Agora que já nada mais de relevante deve sair até que se vire a cortina de 2023, aqui ficam algumas escolhas resultantes das audições dos álbuns saídos durante o ano. Sem grandes comentários, que a escolha de música é um ato pessoal e intransmissível.
Em 2023 fez-se grande música, como é costume. Alguma da melhor musica que ouvi veio do cruzamento de linguagens. Seja no caso do folk gótico dos Lankum ou na musica borderline de Jaimie Branch. Mas outra vem só da tradição, como é o caso dos Stones.
Como é costume também, o futuro fez-se do passado e de re-visitar ou re-editar obras maiores que estavam esquecidas ou simplesmente não estavam disponíveis.
Uma nota final: acontece-me sempre a mesma coisa. Penso que já identifiquei algumas das melhores propostas do ano, e depois começo a revisitar o que saiu e começam a sair as listas e há sempre mais alguma coisa para ouvir e que até devia estar na minha lista. É um trabalho nunca acabado, mas tem que acabar alguma vez: restringir aquilo que se conhece e não querer abraçar a complexidade. Esta é a lista provisoriamente definitiva.

Novos

Ahoni – My Back was a Bridge for you to Cross
Alabaster DePlume - Come With Fierce Grace
Arooj Aftab, Vijay Iyer, Shahzad Ismaily – Love in Exile
Baaba Maal – Being
Corinne Bailey Rae – Black Rainbows
Jaimie Branch – World War
Lankum - False Lankum
Lisa O’Neill - All of this is Chance
Paul Simon – 7 psalms
The Rolling Stones – Hackney Diamonds
Yo la Tengo – This Stupid World
Yussef Dayes – Black Classical Music

New Old Stock

Les Rallizes Dénudés – Città 93

Reedições

Pharoah Sanders- Pharoah (1975)
(imagem gerada pelo Dall-e)

30 outubro 2023

Roger Powell, Cosmic Furnace (USA, 1973)


Some of the electronic creators got a bit carried away by the wonders of electronics. Without questioning their technical ability and their engineering skills, and talking just about the music, they sometimes forgot about the meaning. The form is there, you can hear the intentions, but can’t feel the click. One of the big, big examples of this is Patrick Moraz, with the work he did on Refugee and then in his solo work, especially on the ominous “Story of I”. I bought his record as a young adult, hated it, sold it, and bought it again as declining adult just to confirm that my young self was right. It’s just too much self-indulgence.

Some would say that Rick Wakeman went the same way at some point, and they are right. When you are very good at your instrument it’s easy to indulge if you don’t know where your north star is. And he got carried away with all sorts of insignificant stuff that came to his mind. He got lost in ambient music and endless recreations of his former greatness (YES stuff and some of his early solo work).  

Some would say Keith Emerson did the same. I’d argue that Keith is a few notches above all the others, but yes, when the 80’s came everybody was a little foolish and wanted to be a keyboard star, 80’s style, even if they already were. But he is not to be confused with Walter-Wendy Carlos. Or others that will go nameless.

Some would say that Vangelis also went down that road. Have you heard his albums with Jon Anderson? ¾ of it could go down the drain and nobody would notice. But there’s all the rest, and although he wasn’t a wizard, he had feeling and emotion – even in his cold wave period (Albedo 0.39, for instance). And he was an explorer, moving from pop to emulation of symphonies to free jazz exploits (Hypothesis). He may have not got there totally, but he lived trying; and in many ways he got there (e.g. Blade Runner). So, there I’d disagree.

And then there’s Roger Powell. Protegé of Mr. Moog himself, player with Todd Rundgren and Utopia, Rainbow, Meat Loaf and Bowie, he had a lot of Powell on his hands. In 1973 he just set free this first solo release. It is a like a Chinese restaurant table where you get to mix a lot of different plates. Some seem tasty at the beginning, them a bit sugary, and you leave it on the plate. Some are just strange (chicken feet with oyster sauce? WTF? Etc). Some you just lose interest. So, what looked like an interesting tasting experience becomes boring.

Sometimes it’s the recipe, sometimes it’s the cook, or the ingredients. But in the end what reaches your palate is what you taste, and what you react to. On Trip Advizer (sorry, Julian Cope) this would get a 2,5.

14 novembro 2021

A brava dança dos heróis substitutos - Tangerine Dream e o Eterno Devir



Pode uma banda que já não tem nenhum elemento original carregar com distinção o facho da música feita pela banda original?

Pode. Uma das provas a exibir é a verão atual dos Tangerine Dream, tocando temas da década de 70 / 80. Depois de desistir de acompanhar a produção galopante e de qualidade mediocriana da banda, os últimos álbuns, muitos sessões live, têm sido uma boa surpresa. Conseguem manter o feeling do período clássico ao mesmo tempo que o modernizam e, aspeto não desprezível, melhorar o som. Recomendo este de 2019, o 72ª da banda. Isto, claro, para quem se revê em sons planantes, melódicos e repetitivos com tendência para induzir a abstração.

24 janeiro 2021

LOCOMOTIVE - WE ARE EVERYTHING YOU SEE


Da série Bandas que deveriam ter tido mais sorte na vida" temos hoje os Locomotive. Os sessenta e inícios de setenta foram pródigos em projetos que não produziram vinil ou o fizeram em doses de filho único. Demasiada efervescência, fervilhar de ideias e movimentações próprias de um período de grande criatividade fizeram com que muitos projetos não chegassem a amadurecer o suficiente para convencer as editoras ou foram alvo de estratégias editorias que não os privilegiaram, ou eles próprios não conseguiram solidifcar a banda o suficiente, ou pura e simplesmente eram one man show bands que não se aguentaram. No caso dos Locomotive parecem não ter tido sorte com o apoio da editora (Parlophone, do grupo EMI) e o líder, Norman Haines, rapidamente passou ao grupo com nome próprio, Norman Haines Band. Eram músicos do circuito ao vivo que tiveram algum sucesso com singles de ska e finalmente tiveram a oportunidade de gravar um longa duração, já mais virados para o rock progressivo.

Fortemente ancorados nos teclados de  e com um baixo expressivo e competente o seu som é muito marcado pela secção de metais, fazendo às vezes lembrar uns Blood Sweat & Tears mais ousados. O disco encaixa muito bem na época e certamente merecia muito melhor público. O tema Mr. Armageddon chegou a ter algum sucesso, mas rapidamente passou para o lado B da História. Injustamente, para uma banda que criou um som próprio, tem boas composições e músicos acima da média.

Hoje é mais um dos que a primeira edição se vende a preços pornográficos e não há reedições recentes. Felizmente está disponível nas plataformas digitais.